terça-feira, 8 de maio de 2007

Um Manicómio Literário

[modo político] Antes de mais quero agradecer o convite que me foi feito no sentido de colaborar na feitura deste espaço de tertúlia amigável sobre a sétima arte. Prometo que se assim acharem por bem, vir aqui regularmente "espicaçar" essas mentes inquietas com sugestões, pensamentos e no bom sentido democrático com uma ou outra crítica. Um grande bem haja para todos vós. [fim do modo político].
Ok já destilei um pouco de sarcasmo agora venha a seriedade: vou-vos falar de plágios. Não, não é isso, só não queria correr o risco de parecer repetitivo no que toca a agradecimentos, assim não há dúvidas… as minhas desculpas ao Sr. Gusmão.
Como ainda ninguém falou em cinema nacional vou-me chegar à frente e escrever sobre o último que vi, “A Divina Comédia (1991)” do Manoel de Oliveira. Em primeiro lugar saudar o cineasta de 98 anos que tem estado a trabalhar à velocidade de um filme anual mas sem qualquer pressa, como se viu no ano passado quando estreou um filme homenagem a Buñuel de seu nome Belle Toujours. O filme de que vos falo tem 16 anos e foi feito 6 anos depois do Sr. De Oliveira receber o prémio carreira em Veneza.
Este, “A Divina Comédia”, ao contrário do que se pode pensar, não se trata de uma adaptação da obra de Dante, embora seja possível encontrar pontos de contacto, mas antes uma dissertação sobre os valores humanos, o conflito entre o Bem e o Mal, a fé, o pecado, a punição, o arrependimento, a luxúria e o amor, em plena casa de alienados. As personagens cruzam-se ao longo da narrativa e vivem as suas alucinações/obsessões sendo que todas elas são personagens bíblicas ou romanescas. A encabeçar o elenco, Miguel Guilherme e Maria de Medeiros interpretam Raskólnikov e Sónia (personagens de Crime e Castigo de Dostoiévski), Luís Miguel Cintra é o Profeta da Salvação do Mundo e Mário Viegas encarna (ou então é ele) o Filósofo do Anti-Cristo. Para além destes, a “comédia” conta ainda com Jesus Cristo, Lázaro, Adão, Eva e os Irmãos Karamazov entre outros, com destaque para Maria João Pires que interpreta a bíblica Marta e acompanha muito bem a narrativa ao piano. O filme expõe o antagonismo óbvio entre as crenças religiosas do cristianismo e a incredulidade religiosa e social do niilismo e ateísmo (a que o realizador chamou de “reflexão histórica”), com base em textos da Bíblia, Dostoiévski, José Régio e Nietzsche. Filmado à “velocidade” a que nos habituou… a contemplativa, o mestre português cria uma obra insólita que dá azo a várias interpretações e conclusões. Queria só acrescentar que apesar de já sentir uma certa simpatia pela Leonor Silveira, pareceu-me aqui muito bem a oferecer a maçã ao Adão.

6 comentários:

Rui disse...

Deixa-me adivinhar, tu e o Capitão combinaram essa piada?... [modo político] Bem vindo ao Cu [Fim]. Obrigado por falares de um filme português, ainda ninguém tinha tido a audácia de o fazer. Ainda para mais trata-se de um filme muito interessante, com uns personagens fantásticos, que permitem diferentes abordagens ao filme.

luisjorge disse...

O blog acolheu então o primeiro Português. Seja! a escolha foi acertada.
Aproveito a oportunidade para preguntar acerca do que se pode ver sobre Manuel de Oliveira. Somo "Sapato razo", "Os Canibais", "Non ou a vã glória de mandar","A Divina Comédia", "Um dia de desespero", "Francisca", "O meu caso", "Um filme falado", "Porto da minha infância", "O princípio da incerteza", "O espelho mágico".
Estas contas faço-as para quem queira ofereçer resposta se possa servir de matéria aqui partilhada.
Caso julguem disparate o que a seguir se segue em causa da reduzida amostra apresentada, peço contraste e "exigo" pela minha rápida reeducação.
O que eu digo ou o que eu penso acerca do velhote é que fora de todo o génio manifestado(excelentes adaptações, muito boas analogias, curiosos diálogos)é acima de tudo a preguiça que se eleva.
Explico: o senhor tem muito a transmitir, é evidente que qualquer avô o compreende, sem o ser também o compreendo, o que muitas vezes me escapa é a forma. Ha quem lhe chame estilo, eu chamo-lhe desleixo.
Contextualizo: Apreciei em A divina comédia o esquizo diálogo introduzido pela personagem de Iván, isso a quando da troca fisica do "doutor" pela própria presença do realizador, aprecio até certo ponto. O que no entanto me incomoda é que o provável estilo que aqui todos identificamos ao estilo de Oliveira nasca(na minha opinião) de um simples jáculo verbal, acessível a uns poucos e apenas em condição de paciência para a correcta interpretação.
Não generalizo Manoel de Oliveira é bom, mesmo muito bom, quase todo o dialogo é agradecido, falo apenas dessa pequena parte que sobra, que ás vezes chateia e outras vezes podia perfeitamente ser relegada por outra forma, sem ir mais longe, a alternativa, que custa, que é trabalhosa mas que supera por vezes a palavra. O exemplo do que afirmo é a perfeição dos últimos minutos de "Persona" de Ingmar Bergman. Não são comparáveis, aprovo, realço apenas o desmedido empenho de Oliveira pela palavra falada, por vezes Preguiça?
Aproprio-me: Sofro de incontinêcia verbal, o que aqui posto é a prova, pudesse entrar aqui a música, a cénica, a imagem e a palavra seria metade do texto que a massacre vos ofereço.
Em suma, agradecido aqui á aparição do cinema Português e á de outro devoto cinéfilo.
Cumprimentos

luisjorge disse...

Com toda a razão para isso da eva santificada de Leonor Silveira.
Fantástico Mário Viegas

André disse...

Desses filmes que adicionaste (falta o clássico Vale Abraão) só conheço os mais recentes e reconheço o uso exagerado da palavra falada. Não acho, no entanto, que seja preguiça ou desleixo, mas simplesmente a sua maneira de fazer cinema, que na quarta idade se tornou muito própria. Já me aconteceu ver o Padre António Vieira adormecer mas quem dormia era eu, no "Palavra e Utopia" torna-se um bocado entediante assistir aos sermões quase ininterruptos do Ricardo Trepa, Luís Miguel Cintra e Lima Duarte. Parece-me mais sensato ir a uma livraria e adquirir a biografia e os sermões do referido padre. Já no "Principio da Incerteza" a obra da Agustina Bessa-Luís, a meu ver, está extremamente bem retratada. Além duma adaptação inteligente do argumento e das excelentes panorâmicas do Douro, a câmara é reveladora de gestos e sentimentos preciosos do íntimo das personagens de importância vital ao desenrolar da narrativa. É claro que não é nenhum Bergman mas também não temos Liv Ullmann.

luisjorge disse...

È tranquilizador encontrar uma alma solidária que sustente o que muitas vezes damos só por erro, nosso!
É o ainda mais encontrar uma boa fonte de receitas...cumplido feito á minha exigência!
Tenho de deixar o raio destes lirismos !!!
Reconheço isso do descrito sobre o princípio da incerteza. É verdade é bom, como quase tudo o resto!
Espero por mais Português, falado em Português...Eu! novamente agradecido á oportunidade que aqui deixaste.

Anónimo disse...

Então vê o Leão da Estrela e depois fala comigo... Cinema português bom, só os das décadas de quarenta e cinquenta.